Lisboa, 24 de maio de 2014.
Na capital portuguesa, a Espanha viu, pela primeira vez, dois de seus filhos disputarem o troféu mais desejado de toda a Europa. A "orelhuda", a "taça das taças".
O argentino Diego Simeone, técnico do então atrevido Atlético de Madrid, nunca esteve tão perto de um título que seria mais que merecido. Para ele e para o clube. Afinal, a campanha havia sido brilhante, quase mágica, com vitórias sofridas é verdade, mas que esbanjavam garra e determinação impressionantes. Dentro de campo, o Atlético era o retrato-falado de seu treinador: futebol europeu com a essência do sangue latino.
Do outro lado, a realeza. O filho mais nobre de Madrid. O Real sob o comando de Carlo Ancelotti. O técnico que quase deixou escapar a alma copeira de seu time diante do rival Atlético, talvez a equipe mais bem treinada do mundo para saber se defender. Godín fez um gol ainda no 1º tempo. E seu time marcou, marcou, marcou, segurando com uma das mãos a mais cobiçada das taças até os 48 minutos do 2º tempo, quando Sergio Ramos, quase do além, empatou a partida.Depois de mais de 90 minutos de um jogo intenso, o fantasma de 40 anos antes pairou sobre o lotado Estádio da Luz. Simeone o enxergou personificado na imagem de Franz Beckenbauer, então líder do Bayern campeão europeu de 1974 na épica conquista sobre os colchoneros. E pressentiu pelo pior. Na prorrogação, um jogo completamente novo. E diferente. O Real recuperou sua soberania e fez mais três gols. 4 x 1. E foi campeão de forma impiedosa, com ares de crueldade.
Milão, 28 de maio de 2016.
Dessa vez, foi a cidade italiana que absorveu os olhos de todo o planeta por um dia inteiro para mais uma final entre eles, os madrilenhos. E, de novo, lá estava a figura de Diego Simeone. Aos 46 anos, o ex-volante e ídolo da seleção argentina, de temperamento forte e sempre impecavelmente vestido de preto, sabia da importância da nova decisão diante dos merengues. "Cholo", como foi apelidado pela mãe, precisava do título para coroar seu trabalho a frente do time colchonero e, enfim, premiar sua torcida fanática, vibrante e apaixonada. A tática? A mesma, o resgate da essência do clube: marcação cerrada, contra-ataque e força. Com uma boa dose de paixão na ponta da chuteira. O Atlético, de Simeone, não tem o toque de bola envolvente do Barcelona, nem a classe do Real Madrid, tampouco o vistoso "balé" do Bayern de Munique. Mas é aguerrido, forte e motivado. Exatamente como era Cholo dentro de campo.
Foi uma final inesquecível, de dois times incansáveis em mais de 120 minutos de futebol. Do outro lado, dessa vez, estava Zinedine Zidane. O mais clássico camisa 10 na história recente é também o líder do mais novo projeto merengue de voltar a ser a grande estrela do futebol internacional. Para o Real Madrid de Zidane, o jogo valia a undécima "orelhuda" na vasta galeria de troféus do clube. Para os colchoneros liderados por Simeone, era "o jogo de nossas vidas". O Real era novamente favorito, como foi em Lisboa. Mas o Atlético era competitivo e parecia estar mais comprometido que nunca. No San Siro abarrotado de torcedores, Sergio Ramos, de novo, abriu o placar. No 2º tempo, Griezmann perdeu um pênalti. O desespero dos colchoneros nas arquibancadas era contagiante. Simeone consolou o atacante e pediu apoio da torcida. A minutos do fim, veio a redenção do empate nos pés de Ferreira Carrasco. O goleiro Keylor Navas olhava incrédulo a vibração eletrizante no estádio. Mais trinta minutos de jogo e o empate de 1 x 1 levou às penalidades. Cristiano Ronaldo, apagado durante o jogo devido à lesão na panturilha, bateu o último pênalti e fez o torcedor do Real esquecer de vez Rafa Benítez. Com a vitória por 5 x 3, se sobressaiu no fim quem possui mais riqueza, mais majestade e mais talento individual. Ingredientes que podem decidir uma partida num lance isolado, num descuido do adversário. Numa cobrança de pênalti.
De novo, o vice-campeonato europeu com ares de uma crueldade inexplicável dos Deuses do Futebol. Talvez de Beckenbauer, Ancelotti e Zidane. Os fantasmas de Cholo. E do torcedor colchonero.
* Adriano Oliveira tem este Blog desde 2009, mas a paixão pelo futebol nasceu bem antes disso. É um apaixonado que vibra pelas 11 posições, mas sempre assume uma, pois jamais fica em cima do muro. Aos 43 anos, o futebol ainda o faz sentir a mesma coisa que ele sentia aos 10.
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