sábado, 22 de outubro de 2016

A DECISÃO É DO ÁRBITRO?

*por Adriano Oliveira


17 de dezembro de 1995. Estádio do Pacaembu, final do Campeonato Brasileiro entre o Santos de Giovanni e o Botafogo de Túlio. Aos 34 minutos do segundo tempo, o placar mostrava empate em 1 x 1, o que dava o título nacional ao time carioca, já que na primeira partida, disputada no Maracanã, o Botafogo havia vencido por 2 x 1. Uma vitória simples daria o troféu aos santistas, pois tinham a vantagem do empate em número de pontos por terem feito melhor campanha.
Falta para o Santos do lado esquerdo do ataque. Após a cobrança, a bola cruzada na área e o atacante Camanducaia cabeceia firme, estufa as redes do goleiro Wágner e sai correndo comemorando em direção à torcida. Era o gol do título. Só que não.
O árbitro Marcio Resende de Freitas resolve anular o gol com a marcação de um impedimento inexistente. Na lateral do campo, seu assistente (que na época ainda era chamado de "bandeirinha") permanece com o braço intacto e junto ao corpo, não sinalizando o tal impedimento que somente seu colega viu. Os jogadores santistas, indignados e inconformados com a anulação do gol decisivo, pressionam o árbitro e mostram o assistente, que nada assinalou. Categoricamente, Marcio Resende afirma:
“ – A decisão é minha. Eu dei o impedimento. O gol está anulado.
O jogo termina empatado e o Santos, prejudicado pela decisão do juiz, perde o título brasileiro para o Botafogo, que nada tem a ver com isso, é claro.

13 de outubro de 2016. Estádio Raulino de Oliveira. O Flamengo de Diego vai conseguindo uma boa vitória por 2 x 1 no clássico diante do Fluminense de Cícero, resultado que mantém o time rubro-negro na perseguição ao Palmeiras, o atual líder do Campeonato Brasileiro a oito rodadas do fim. Aos 39 minutos do segundo tempo, exatamente o mesmo lance e quase no mesmo tempo de jogo daquela final de 1995: uma f
alta para o Fluminense na lateral. Após cobrança de Gustavo Scarpa, o zagueiro Henrique desvia a bola de cabeça para dentro do gol de Alex Muralha. 2 x 2.
No entanto, imediatamente após o gol de empate, o assistente assinala o impedimento. O árbitro Sandro Meira Ricci, por conta própria, decide validar o gol. Assim como os jogadores santistas há pouco mais de vinte anos, os flamenguistas ficam inconformados e partem para cima do juiz. Afinal, aquele empate quase no fim poderia acabar com os sonhos do Flamengo em busca do título. Após 13 minutos de paralisação, Sandro Meira Ricci, pressionado, resolve voltar atrás e anula o gol de Henrique. O clássico termina com a vitória do Flamengo.
Dias depois, a diretoria do Fluminense decide entrar com ação no tribunal pedindo a anulação da partida ao entender que, durante a interrupção de 13 minutos, o juiz teria sido avisado por gente de fora do campo de jogo que o zagueiro Henrique realmente estava em posição de impedimento e que, portanto, tal informação teria influenciado na decisão de invalidar o gol. Como a regra não permite interferência externa, a partida teria de ser anulada. O STJD, contudo, arquivou o processo e o Flamengo ficou com a vitória, mesmo com a veiculação de uma reportagem de TV mostrando que o inspetor de arbitragem de fato avisa à Sandro Meira Ricci sobre o gol irregular do Fluminense.

Certo ou errado? Eis a questão.



Sandro Meira Ricci, mesmo depois de longa paralisação, agiu certo em voltar atrás e anular um gol irregular?
Mas se houve interferência externa com auxílio de imagens de TV (o que não é permitido pela FIFA), o certo não seria anular a partida, mesmo estando errado?
Sendo assim, por que então Marcio Resende de Freitas ignorou a orientação de seu assistente? Por que também não voltou atrás e validou o gol legal de Camanducaia que daria a vitória e o título brasileiro ao Santos em 1995? "A decisão foi minha", ele disse.

Justo ou injusto? Eis a questão.


Sem a permissão de auxílio externo ou do tal "árbitro de vídeo", qual é o critério utilizado pela arbitragem?

A decisão do árbitro é de fato soberana?
O árbitro deve consultar seus assistentes antes de validar qualquer decisão dentro de campo ou depende de cada apitador?
A consulta depende da importância de cada jogo?
Marcio Resende de Freitas (o que não voltou atrás) encerrou a carreira em 2005, como um dos árbitros brasileiros mais bem colocados no ranking da FIFA, tendo apitado na Copa do Mundo da França de 1998, além de Jogos Olímpicos.
Sandro Meira Ricci (o que voltou atrás) foi eleito pela CBF o melhor árbitro do Campeonato Brasileiro de 2010, está no quadro da FIFA desde 2011, apitou a final do Mundial de Clubes de 2013 e foi o representante do Brasil na Copa do Mundo de 2014. Curiosamente, também foi o primeiro juiz de futebol a validar um gol através de recurso eletrônico, na partida entre França x Honduras na última Copa. Em 2016, também esteve nos Jogos Olímpicos do Rio.
Como se vê, ambos têm trajetórias bem parecidas e são reconhecidos no comitê da FIFA. Mas o que afinal separa os conceitos de arbitragem de Marcio Resende e Sandro Meira?
Simples. A certeza de que enquanto a arbitragem for tão limitada e amadora no futebol cada vez mais profissionalizado, dentro e fora de campo, o certo pode estar errado. E vice-versa.

Segue o jogo.


Adriano Oliveira tem este Blog desde 2009, mas a paixão pelo futebol nasceu bem antes disso. É um apaixonado que vibra pelas 11 posições, mas sempre assume uma, pois jamais fica em cima do muro. Aos 43 anos, o futebol ainda o faz sentir a mesma coisa que ele sentia aos 10.

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