segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

QUEM SÃO E O QUE PENSAM OS "NÃO-TORCEDORES"?

*por Adriano Oliveira

Flamengo e Corinthians seguem como os "mais queridos" times de futebol do Brasil. Todo mundo já sabia, é claro, mas essa é a manjada, porém principal conclusão do último levantamento detalhado sobre torcidas no futebol brasileiro, realizado recentemente pelo Ibope em parceria com um renomado jornal esportivo.


Embora o Flamengo tenha visto a diferença diminuir em relação ao Corinthians, o clube da Gávea possui hoje aproximadamente 32 milhões de torcedores espalhados pelo país, enquanto o time do Parque São Jorge tem pouco mais de 27 milhões. Juntos, os dois clubes têm 30% da preferência entre todos os times do Brasil, num universo que atinge cerca de 60 milhões de rubro-negros e alvinegros em nível nacional. É muita gente.
No entanto, um dado da pesquisa é mais, digamos, "alarmante". Mais ou menos 48 milhões de brasileiros afirmam não torcer para time nenhum, o que representa 23% do total de habitantes. Também é muita gente, especialmente num país com dimensões continentais como o Brasil.
Isso significa que atualmente o futebol não é, de forma unânime, uma paixão nacional do brasileiro como ainda era até quinze ou vinte anos atrás.
"Ocupar" a preferência desses 48 milhões de "não-torcedores" deveria ser missão primordial para dirigentes e federações, correndo atrás de um montante de quase 1/4 da população ainda inexplorado. No caso, seriam 48 milhões de "novos consumidores" de futebol.

Sim, a geral acabou nas novas arenas e o futebol não é mais tão popular como antes. Mas por que?
Provavelmente porque o torcedor que hoje frequenta as novas e modernas arenas possui um perfil bem diferente daquele de tempos atrás. Hoje, apenas 10% dos torcedores brasileiros assistem aos jogos nas arquibancadas, pouco mais de 20 milhões de espectadores "in loco". Em geral, são homens e mulheres jovens, que moram nas capitais e boa parte deles com renda mensal superior a dez salários mínimos. Sim, o futebol profissional está se tornando esporte para os "mais abonados e elitizados" e, aos poucos, vai empurrando os "menos favorecidos" para a várzea, onde o contingente de pessoas que frequentam os jogos já chega a 13% da população ou cerca de 26 milhões de pessoas.


Mesmo com o apelo de clubes expressivos do cenário nacional, apenas 8% dos nordestinos costumam frequentar os estádios para ver seu time jogar, ao passo que 17% deles preferem assistir a jogos de futebol amador. Ou seja, mais que o dobro. Na região Sudeste, chega a ser o triplo.

Até 2010, por exemplo, São Paulo era o estado com maior participação de torcedores no país, atingindo 31% com a soma das torcidas de Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Santos. Hoje, esse índice caiu para 28% do total nacional. Por que?

Santa Catarina possui clubes reconhecidos como Avaí, Figueirense, Chapecoense e Joinville. Contudo, a maior torcida é do Grêmio, que curiosamente absorve 13% da preferência de torcedores no estado, seguido de perto pelo Corinthians, com 9%. Por que?

E 25% dos mineiros dizem não torcer para time nenhum, mesmo dentro de um estado com Atlético-MG e Cruzeiro, dois protagonistas do futebol brasileiro nos últimos anos. Por que?

Os clubes não estão enxergando tal transformação?


A partir do momento em que dirigentes, executivos e empresários do setor conhecerem de fato quem é, o que pensa e como se comporta o gigantesco público de 48 milhões de crianças, adolescentes, jovens e adultos que ainda não "consomem" futebol, os clubes então podem "acordar" para o marketing esportivo, que ainda engatinha em terras tupiniquins. É preciso saber o que separa tanta gente do mundo do futebol.
Seriam os preços dos ingressos? Os serviços oferecidos dentro dos estádios? Os pouco atraentes planos de sócios-torcedores? Os horários dos jogos a noite? O calendário? A falta de segurança? O transporte público? O conteúdo da mídia?
Com fatos e dados concretos, será possível conhecer melhor torcedores e "não-torcedores", além de compreender tendências sobre o mercado e o crescimento das torcidas.

O futebol é, atualmente, um negócio ao melhor estilo de um "show business". É com essa visão que asiáticos, norte-americanos e europeus o administram há bastante tempo. Há também no Brasil profissionais ligados ao futebol com boas ideias, que muitas vezes elaboram planos estratégicos para desenvolver os conceitos de negócio nos clubes onde exercem suas funções. O que geralmente falta por aqui é materializar ações e isso depende fundamentalmente de como empregar o dinheiro que entra dos patrocinadores, dos licenciamentos da marca, das cotas de televisão, das bilheterias e das transações de jogadores. No Brasil, sabe-se que, ao invés disso, o futebol ainda permanece como uma grande "ação entre amigos" nos bastidores, que envolve dirigentes e empresários com interesses dos mais variados.
Apesar de tudo, existem exemplos e alternativas para fomentar a aproximação do futebol junto aos 48 milhões de "não-torcedores". E todas, basicamente, passam pela interação. E principalmente pela criatividade.


A Rede Globo, por exemplo, já começa a ganhar dinheiro com a interatividade junto ao consumidor de futebol que fica atrás das telas de computadores e celulares. A versão paga do "Cartola FC" (jogo virtual que foi lançado há 12 anos), por exemplo, arrecadou em 2016 cerca de R$ 500 mil mensais aos cofres da emissora, que inclusive detém quase todos os direitos de transmissão de futebol no Brasil. Em 2015, o fantasy-game tinha 1,6 milhão de times escalados no decorrer do Campeonato Brasileiro. Em 2016, esse número dobrou, chegando a 3,2 milhões de equipes. Como se vê, um negócio rentável que cresce a cada ano.
Nos Estados Unidos, a visão de futebol como negócio é cada vez mais abrangente. Somente a indústria de fantasy-games (do gênero "Cartola FC" norte-americano) movimentou no ano passado mais de US$ 2,6 bilhões (quase R$ 8,5 bilhões), numa engrenagem interativa que move quase 58 milhões de jogadores virtuais nas ligas de futebol, basquete e futebol-americano. Sim, eles têm e sabem usar fórmulas de marketing.
Por que então é tão difícil para os clubes brasileiros abrirem os olhos e enxergarem o futebol como negócio?


O futebol é muito mais que um simples jogo. Mais do que nunca é perfeitamente possível (e quase obrigatório) torná-lo um mecanismo "natural" para gerar receitas aos clubes através da interface entre rádio, televisão, mídias digitais, patrocinadores e torcedores.
Afinal, o "país do futebol" possui 206 milhões de habitantes, dos quais 48 milhões sequer torcem ou acompanham um time de futebol. Sendo assim, é preciso repensar o futuro do esporte no Brasil, até como uma questão de sobrevivência para a maioria dos clubes, em todas as divisões.
Caso contrário, Flamengo e Corinthians continuarão sendo os "mais queridos" e subindo cada vez mais mais alto que os demais a cada temporada no "carrossel" dos clubes brasileiros, enquanto dezenas de milhões de "não-torcedores" seguirão orfãos da paixão pelo futebol.
Ironicamente, dentro do tal "país do futebol".


Adriano Oliveira tem este Blog desde 2009, mas a paixão pelo futebol nasceu bem antes disso. É um apaixonado que vibra pelas 11 posições, mas sempre assume uma, pois jamais fica em cima do muro. Aos 44 anos, o futebol ainda o faz sentir a mesma coisa que ele sentia aos 10.

Um comentário:

Emagrecer disse...

Rogério Ceni não vai para frente