sábado, 4 de março de 2017

A SELEÇÃO DO TITE, NÃO A SUA

*por Adriano Oliveira


Tite recebeu da CBF a missão de criar algo novo e motivador para uma seleção que sempre foi referência por jogar bonito e que passou a não jogar nada.
Sim, não havia outra alternativa, era preciso fazer alguma coisa.
O mal-educado, bronco e grosseiro Dunga não poderia mais continuar depois do fiasco na última Copa América e da sequência de resultados ruins nas Eliminatórias, quando a rejeição ao técnico atingiu mais de 80%.

Dunga foi apenas um escudo perfeito para a turma de Marin e Del Nero, o nome certo para proteger os meandros da linha de frente que comanda a seleção. O "zangado" treinador e seu braço direito Gilmar Rinaldi agradavam aos chefões mais pela postura carrancuda e avessa às críticas da mídia em relação às decisões da entidade do que pelo futebol propriamente dito. Porém, os dirigentes sucumbiram à pressão e foi necessário trocar as peças no meticuloso e engenhoso jogo de xadrez praticado nos bastidores da CBF.
Veio então Adenor Leonardo Bachhi, o Tite.
Consagrado nos últimos anos ao conquistar tudo pelo Corinthians, a escolha de Tite já era aguardada e não foi apenas uma resposta do tipo "Olha, fizemos alguma coisa, estão vendo? Trocamos o treinador".



Mais que isso. A decisão de chamar Tite, além de salvar a pátria e evitar que o Brasil ficasse pela primeira vez na história fora de uma Copa do Mundo, tinha principalmente a finalidade de mudar a forma de pensar o futebol, o conceito, instaurar uma filosofia de jogo, das categorias de base até o time principal, como fazem as grandes seleções. Uma decisão que tinha por princípio ser uma resposta à torcida e à imprensa, e não apenas mais do mesmo no "museu de grandes novidades" da CBF, como aconteceu após a saída de Felipão e o retorno de Dunga.
Aliás, Carlos Alberto Parreira, Luiz Felipe Scolari, Muricy Ramalho, Dunga e Tite foram nomes revezados pela CBF nas últimas décadas no comando da seleção. E todos eles são retranqueiros de ofício, mais ou menos equivalentes na maneira de enxergar o futebol. Em maior ou menor grau, todos adotam um estilo de forte marcação, mais defensivo que ofensivo, com excesso de volantes, que exige o tempo todo a posse da bola, e que prioriza o resultado no lugar do futebol bem jogado.
O Corinthians de Tite foi campeão de tudo jogando sem brilho, sem plástica, sem graça, mas de forma absolutamente eficiente. As vitórias em jogos importantes quase sempre eram magras, apertadas, até sofridas, mas o time engrenava facilmente em suas mãos e conseguia atingir os resultados.
A seleção brasileira, que com Dunga era o time difícil de vencer, com Tite passou a ser rapidamente o time difícil de se vencer. Com o novo comandante, o Brasil só venceu. E convenceu. Está praticamente classificado para a próxima Copa a ser disputada na Rússia e voltou a ocupar o 2º lugar no ranking oficial da FIFA, atrás somente da Argentina e a frente da atual campeã mundial Alemanha.

Pois bem. Eis que chega uma nova rodada das Eliminatórias e, mesmo assim, há muitos questionamentos de todas as partes sobre a convocação de jogadores.
Ninguém gosta desse ou daquele jogador convocado por Tite.
Causou muita estranheza e indignação em muita gente a convocação de Fágner e Diego Souza. De Gil e Ederson. De Diego e Paulinho. De Lucas Lima.

Não, a seleção brasileira nunca será unânime, seja ela convocada por Tite, por Dunga ou por Pep Guardiola.
Porque no Brasil há milhões de treinadores de futebol.



No entanto, essa é a seleção do Tite. Não é a sua, nem a minha ou a de qualquer outro desses milhões de treinadores espalhados de norte a sul do país.
Como se sabe, Tite é um técnico de resultados. Não de futebol. Sendo assim, não são necessariamente os "seus" melhores jogadores que darão os resultados que ele, Tite, espera. Serão os jogadores escolhidos por ele, que está agora no comando. E, obviamente, quem tem a sua confiança, quem está "fechado" com ele. Os eleitos de Tite.
Não existem "vagas disponíveis" numa seleção tão importante como a brasileira. Existem cargos de confiança, do massagista ao goleiro.
Afinal, para um time funcionar (e isso não significa necessariamente ter de jogar bonito), é preciso mais que um desenho tático na prancheta. É preciso ter um ambiente de cooperação, uma relação de confiança entre comandante e comandados.
Não importa se o goleiro titular está sem jogar ou disputa a 3ª divisão do futebol canadense. Ele é o cara de confiança do treinador. E por diversas razões. Foi mal na última Copa? Um dos responsáveis pelo fracasso? Pois é aí que reside a possibilidade de se redimir, de dar “a volta por cima”, a capacidade de superação do ser humano e nem tanto do atleta. Ele precisa se doar mais para mostrar a jornalistas e aos milhões de "torcedores-treinadores" que passou por cima de tudo e que é sim um vencedor. Agarrar a chance e se superar torna-se uma questão pessoal. E seu treinador, ao convocá-lo, certamente conta com esse algo a mais.
De repente, aquele lateral considerado por todos como desleal e violento não é o melhor na posição, mas é o cara que motiva, que briga com os demais durante o jogo, que berra, que todos respeitam e obedecem. Tem o volante que também não é considerado o melhor, mas é o cara extrovertido que brinca com todo mundo, que diverte, que anima e levanta o astral, mesmo em situações adversas. Tem o meia que é questionado por tanta gente, mas que “puxa o samba” dentro do ônibus. O outro que forma opinião. O "intelectual" que todos gostam de ouvir. O mais quieto, mas que sabe orientar. Um conjunto forte precisa de todo tipo de gente, não apenas de um elenco formado por craques.
Cabe ao comandante passar esse sentimento de confiança a todos os jogadores, aos questionados e aos craques. Fazê-los sentirem-se peças fundamentais para o conjunto da obra. Os jogadores, assim como todas as pessoas, só se sentem a vontade para cobrar e aceitar as cobranças quando existe uma relação de confiança, e quando todos estão comprometidos entre si.
Será que aquele jogador que "injustamente" não foi convocado possui o mesmo espírito de grupo do que foi convocado?
Uma equipe vencedora não é formada pelos melhores jogadores, mas pelos jogadores certos. Fama e glamour não ganham títulos. A Copa da Alemanha de 2006, com a seleção brasileira formada por uma constelação de estrelas, comprova isso facilmente.
Para estar sempre no topo é preciso ser melhor do que já é. Nesse caso, será que a zona de conforto de alguns jogadores permite isso?
Existem várias formas de se liderar um time. Porém, é essencial que os liderados não duvidem das metas e das propostas de trabalho de seu líder. Isso é, de fato, estar fechado com ele. Isso é ser, de fato, uma equipe.
É preciso usar o talento individual em função da conquista de um bem comum. Acima de um grande jogador, ser um homem generoso que lhe faça tocar a bola para um companheiro melhor posicionado em vez de tentar chutar e fazer o “seu” gol. Se esforçar mais na marcação para fazer a retaguarda daquele lateral veloz e habilidoso e que por isso vai para frente com frequência. Dar o carrinho que aquele atacante não dá. Ter consciência coletiva.



Tite é um estudioso do futebol, um líder nato, que conversa e olha no olho de seu comandado, que entende a fórmula de como treinar e fazer seus times jogarem como ele quer. Tite sabe que para isso é preciso mais que um brilhante conceito de futebol na cabeça. É preciso ter diálogo, jogo de cintura, a confiança do vestiário, que é um ambiente sagrado no mundo dos boleiros. Sem o controle do vestiário, o treinador perde o comando. E sem comando não se acrescenta nada de novo ou motivador. Não se chega a lugar nenhum.
Porque o técnico não consegue fazer um time jogar pela autoridade. Mas pela influência que exerce sobre o elenco. E percebe-se dentro de campo que essa influência, no caso do atual treinador da seleção, é bastante positiva.
Diferentemente da chamada Era Dunga, a seleção brasileira, antes de mais nada, deve ter jogadores que confiam e acreditam uns nos outros e naquilo que estão sendo orientados a fazer. Deve ser formada estrategicamente por talentos que se complementam, na visão de quem tem a responsabilidade de mantê-la como referência no futebol mundial.
Uma família, como foi a de Scolari em 2002. E como tem tudo para ser a família do Tite, em 2018.



Adriano Oliveira tem este Blog desde 2009, mas a paixão pelo futebol nasceu bem antes disso. É um apaixonado que vibra pelas 11 posições, mas sempre assume uma, pois jamais fica em cima do muro. Aos 44 anos, o futebol ainda o faz sentir a mesma coisa que ele sentia aos 10.

2 comentários:

Unknown disse...

Brasil de hoje esta longe de ser um futebol de antigamente a copa de 2018 ja esta bem próximo, e lamentável não ter um bom time pra essa competição mundial. Tite vai ter muito trabalho até forma essa equipe que breve vai está correndo a trás do 6 título mundial. parabéns pelo texto bem elaborado. Boa noite!

Alessandro disse...

O Brasil jamais terá uma seleção que jogue futebol como antigamente, especialmente porque há décadas a safra tem sido de potencial cada vez mais inferior.
Por outro lado, há avanços consideráveis depois que o Tite assumiu a seleção. Confio em seu trabalho e não acho o atual time ruim, além de ser bem treinado.
Grato pelo elogio.