domingo, 23 de abril de 2017

O FAIR PLAY ATOLADO NA LAMA

39 minutos do primeiro tempo, jogo de ida das semifinais do Campeonato Paulista, estádio do Morumbi, São Paulo 0 x 1 Corinthians. O centroavante corintiano Jô tenta alcançar um lançamento na entrada da área e é obstruído pelo goleiro e pelo zagueiro são-paulinos Renan Ribeiro e Rodrigo Caio. Há um choque entre eles e o goleiro sente a perna. O árbitro Luiz Flávio de Oliveira entende que houve "deslealdade" no lance e mostra cartão amarelo para o jogador do Corinthians. Jô fica inconformado, uma vez que a punição o tiraria do jogo de volta no Itaquerão, e afirma ao árbitro que não pisou no goleiro. Rodrigo Caio então assume a responsabilidade e confessa ao juiz que foi ele quem pisou sem querer no goleiro de seu time. O árbitro agradece e anula o cartão amarelo dado equivocadamente ao corintiano.

Agora faça um teste e, se tiver estômago, leia o noticiário assim que acordar. Num domingo, numa terça ou numa quarta. O conteúdo é quase sempre o mesmo. A corrupção está disseminada em todos os cantos. Se tornou algo endêmico neste país e provoca não apenas irremediáveis prejuízos econômicos, mas principalmente danos éticos e a perda cada vez maior e mais constante de certos valores.
O pessimismo é tão grande que chegou-se ao ponto de se promover um debate sobre ser correta ou errada a atitude de um jogador de futebol que decidiu praticar fair-play durante um clássico.
Afinal, o futebol é um meio muito sujo para coisas desse gênero.
Rodrigo Caio, zagueiro do São Paulo e da seleção brasileira, o jogador "bonzinho" em questão, foi na verdade uma espécie de padre num prostíbulo. Não há definição mais apropriada.
Seu treinador, Rogério Ceni, que não gostou nem um pouco da atitude de seu zagueiro, foi irônico ao declarar em entrevista coletiva logo após o jogo, que "todos fazem" o chamado fair-play.
A atitude de Rodrigo Caio seria apenas secundária não fosse pela derrota de seu time por 2 x 0 dentro de casa e, principalmente, por ter livrado o atacante corintiano Jô do cartão amarelo que o deixaria de fora da segunda partida das semifinais, no Itaquerão. Pois é claro que as chances de reverter o placar adverso e se classificar na casa do adversário seriam teoricamente mais favoráveis sem a presença de Jô dentro de campo. Não que o centroavante seja um craque insubstituível, mas é o jogador que tem feito gols em todos os clássicos da temporada.
Rodrigo Caio foi criticado internamente no Morumbi, assim como seria em qualquer outro clube. O motivo? Ele não compactuou com a "lei da esperteza", imperante no futebol e na sociedade brasileira de maneira geral. E o que é pior: num jogo de mata-mata decisivo contra o arquirival Corinthians. Ou seja, uma atitude imperdoável até para alguns companheiros de equipe.
Por outro lado, aquele torcedor que "aprovou" nas redes sociais a atitude ética do atleta é o mesmo que vai aplaudir e vibrar com um gol ilegal de seu time, especialmente se for um gol decisivo contra o mesmo Corinthians. Ou seja, é do jogo. É da sociedade. É a cultura do país.
É aquele mesmo torcedor que cobrava um futebol de qualidade da seleção de Dunga e ao mesmo tempo vibrava com vitórias suadas de seu time dentro de casa por 1 x 0. Chama de mau-caráter um jogador que provoca a sua torcida, mas aprova a comemoração do jogador de seu time hostilizando a torcida rival na casa do rival.
Desse modo, é notório que a condição inabalável de ética e de caráter que propõe o fair-play deve ser de fora para dentro de campo, e não o contrário.



No futebol é assim. Sempre foi assim. E se a mudança não vier de fora para dentro de campo, jogadores sempre vão simular faltas para enganar os árbitros, justificando suas atitudes indesejáveis aos olhos de "torcedores honestos" ao desejo de vencer o jogo, de ajudar sua equipe no calor de uma partida importante.
O torcedor que enaltece a "integridade moral" de Rodrigo Caio pode ser o mesmo que "sem maldade" estaciona seu carro na vaga destinada à idosos no supermercado. É também o mesmo torcedor que tem o tal do "gatonet" em casa para ver os jogos de seu time. Nada de mais. Afinal de contas, estamos no país das falcatruas, dos benefícios escusos, dos malabarismos e pedaladas fiscais.
Rodrigo Caio se tornou uma referência. Para o bem ou para o mal, reacendeu a esperança do jogo limpo. Mas, por enquanto, dentro de um país e de um esporte ainda atolados na lama.

Adriano Oliveira tem este Blog desde 2009, mas a paixão pelo futebol nasceu bem antes disso. É um apaixonado que vibra pelas 11 posições, mas sempre assume uma, pois jamais fica em cima do muro. Aos 44 anos, o futebol ainda o faz sentir a mesma coisa que ele sentia aos 10.

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