segunda-feira, 24 de julho de 2017

WALDIR PERES, NA CARNE E NA ALMA

Alguns jogos são mais emblemáticos que títulos. Brasil 2 x 3 Itália, de 1982, é um desses jogos. E, normalmente, são jogos como esses que marcam, que ficam na memória e na história, que doem na carne e na alma.




Falcão, Zico, Sócrates, Júnior e Waldir Peres foram injustiçados pelos Deuses do Futebol ao não levantarem o troféu da Copa de 1982. Eles perderam para a Itália. E o futebol bem jogado deu  lugar então ao apogeu do futebol de resultados. No entanto, Waldir Peres e seus companheiros de equipe não passaram para a história como derrotados. Mas como campeões morais de uma seleção que não ganhou a Copa, mas encantou o planeta.

Trinta e dois anos depois, o Brasil novamente em campo numa partida decisiva de Copa do Mundo.
Diferentemente daquela seleção em gramados espanhóis, o que se vê são passes nas costas dos jogadores de meio de campo e defesa.
Jogadores desorientados, correndo de um lado para o outro atrás da bola, incessantemente tocada de pé em pé pelos adversários. No caso, adversários alemães que, num misto de respeito, piedade e principalmente incredulidade, diminuíram o ritmo depois de um determinado momento da partida. Do lado dos brasileiros, olhares perdidos. Apatia. E uma espera desesperada pelo apito final para finalmente acordar de um pesadelo que até hoje não terminou.
Naquele mesmo dia, porém bem distante do Mineirão lotado, o ex-goleiro assistia ao jogo em seu apartamento no centro de São Paulo. Deitado em sua cama, Waldir Peres não consegue acreditar no que vê. Afinal, ele foi goleiro titular de um dos maiores times de futebol da história.
Após o quinto gol da Alemanha, sendo quatro deles em seis minutos e ainda no primeiro tempo, Waldir nutre sentimentos confusos. Não sente mais o baque e o silêncio agonizante que tomou conta de sua mente no "desastre de Sarriá"Ele, que fez parte de uma geração de craques como Zico, Júnior, Sócrates e Falcão, não enxerga um vexame brasileiro, mas uma vitória sensacional da Alemanha.
Fim de jogo. O ex-goleiro desliga a TV e tenta compreender de maneira racional o 7 x 1. Na cabeça de Waldir, só Neymar possui o talento dos jogadores de sua geração que encantaram o mundo na Copa de 82, mesmo sendo eliminados pela então campeã Itália. E Neymar não estava em campo naquela tarde de 8 de julho de 2014. Haviam sim jogadores diferenciados naquela tarde no Mineirão. Mas eles atendiam pelos nomes de Toni Kross, Samir Khedira, Özil, Müller ou Schweinsteiger.
O ídolo são-paulino associou a fatídica eliminação ao estado emocional dos jogadores da seleção brasileira, "muito mal preparada psicologicamente, muita choradeira", refletiu o ex-goleiro.
É uma boa tese, cabível ao descontrolado time de 2014, embora um 7 x 1 não tenha explicação.



Waldir era um saudosista.
E é inevitável falar de Wadir Peres sem nos remeter ao jogo que marcou sua carreira, a derrota por 3 x 2 para a Itália. Foi uma eliminação bem mais dolorosa e sentida que a de 2014, afinal aquele time tinha mais talento e muito mais personalidade.
"Eram tempos sem tatuagem e cabelo pintado", dizia o ex-goleiro. "Se jogássemos dez partidas contra a Itália, ganharíamos nove. Só falta jogar as outras nove porque eles ganharam aquela".
Waldir senta-se na cama e, solitário, liga novamente a TV, passando de canal em canal. A cada entrevista, a cada matéria sobre o 7 x 1, implacavelmente volta em sua cabeça a lembrança daquele dia em Sarriá que tanto marcou sua vida pessoal e profissional, assim como de todos os jogadores daquela seleção de 32 anos atrás.
"Futebol tem dessas", conclui Waldir.

O ex-goleiro da seleção brasileira e ídolo do São Paulo nos anos 70 e 80 se foi aos 66 anos, em 23 de julho de 2017, pouco mais de três anos depois do 7 x 1. Vítima de um ataque cardíaco fulminante, não estava solitário como na tarde do Mineirazzo, mas numa festa de aniversário.
Waldir foi goleiro da seleção em três Copas do Mundo, em 1974 e 1978 como reserva de Emerson Leão, e como titular do inesquecível esquadrão de 1982. Revelado pela Ponte Preta, se consagrou no São Paulo, onde se tornou referência para goleiros como Zetti e Rogério Ceni. É o segundo atleta que mais vestiu a camisa são-paulina, em 617 partidas. Exímio pegador de pênaltis, foi três vezes campeão paulista e uma vez campeão brasileiro pelo time do Morumbi. Ídolo e referência, Waldir Peres deixou sua marca registrada na história e se tornou uma das lembranças do antigo e genuíno jeito de jogar do brasileiro mesclado com o profissionalismo que exige o futebol atual. Seu semblante compenetrado debaixo do travessão faz parte de uma época em que o então “País do Futebol” não passava por humilhações como o 7 x 1 dentro de nosso quintal.
Waldir Peres levou com ele a certeza de que Brasil 1 x 7 Alemanha é mais um desses jogos emblemáticos que valem mais que títulos. Afinal, quando se fala na Copa de 2014, não é a final entre Argentina x Alemanha que vêm à cabeça das pessoas, em qualquer lugar do mundo. Mas sim a acachapante goleada do time de Joachim Low sobre a desorientada seleção de Luiz Felipe Scolari.
Ele, Waldir, se foi com a certeza de que "o futebol tem dessas" e que alguns jogos acabam como um dia que queremos esquecer. Mas não conseguiremos. Principalmente para quem tanto honrou a camisa da seleção de seu país.





Adriano Oliveira tem este Blog desde 2009, mas a paixão pelo futebol nasceu bem antes disso. É um apaixonado que vibra pelas 11 posições, mas sempre assume uma, pois jamais fica em cima do muro. Aos 44 anos, o futebol ainda o faz sentir a mesma coisa que ele sentia aos 10.

2 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Feliz 2018!!!
Quando terá novo texto pro seu blog. Acompanho e está fazendo falta.
Abraço!