domingo, 3 de junho de 2018

O SONHO DO FUTEBOL VALE A PENA?


Vinicius José Paixão de Oliveira Junior, mais conhecido como Vinicius Junior.
O menino que saiu de São Gonçalo, subúrbio do Rio de Janeiro, foi destaque e artilheiro da Copa São Paulo de Futebol Júnior, e que rapidamente subiu para o time principal do Flamengo.
Depois de apenas 24 minutos atuando em duas partidas pelos profissionais, o então menino de 16 anos entrou para o noticiário esportivo internacional como a segunda maior venda de um jogador de futebol brasileiro, atrás apenas de Neymar. Por € 45 milhões, ele foi vendido pelo Flamengo ao poderoso Real Madrid, a maior transação já feita no Brasil por um jogador com menos de 19 anos de idade. Com exímia qualidade técnica desde os cinco anos de idade, Vinicius poderá vestir a camisa do atual tricampeão europeu a partir de julho, quando completará 18 anos e terá permissão legal para ser registrado pelo clube espanhol.



Rodrygo Silva de Goes, ou simplesmente Rodrygo, entrou para as categorias de base do Santos aos 10 anos de idade. Rapidamente chamou a atenção de todos no clube, devido à enorme facilidade para driblar e fazer gols. Aos 11 anos, o menino se tornou o mais jovem jogador brasileiro a assinar contrato de patrocínio com a Nike.
Em outubro de 2017, o "Raio", como é chamado na Vila Belmiro, foi alçado ao time profissional do Santos, depois de também ter passado por todas as categorias inferiores da seleção brasileira. Destaque do Santos em 2018, Rodrygo, 17 anos, já fez 9 gols em 28 jogos e despertou o interesse de grandes clubes da Europa. Entre eles, o mesmo Real Madrid de Vinicius Junior, que ofereceu os mesmos € 45 milhões já acertados com o atacante flamenguista. Porém, devido à cotação atual do euro, Rodrygo pode se tornar a maior transação da história do futebol brasileiro, ultrapassando os R$ 200 milhões.

E é por causa de Vinicius Junior, de Neymar, de Philippe Coutinho e de Rodrygo, que tantos adolescentes  vislumbram um dia ser um jogador profissional de futebol. Quantos “inhos” por aí tentam aparecer e ter a sorte grande de, através do futebol, tentar ser alguém na vida? São os Zezinhos, Luizinhos, Joãozinhos, Jairzinhos, Ricardinhos, Robinhos, Romarinhos, Pelezinhos, Rodriguinhos e uma infinidade de outros “inhos”, que viajam dias dentro de um ônibus barulhento e desconfortável, com ou sem rumo definido, num calor quase insuportável que entra pelas janelas e por onde se vê a paisagem rude que faz manter na lembrança de cada menino a vida sofrida que esperam poder deixar para trás. Eles saem dos rincões pelo interior do país para as grandes cidades, onde estão os times grandes da televisão, e se espelham em jogadores famosos que, assim como eles, acreditaram um dia que o futebol era talvez a única chance de sonhar com uma vida melhor ou, pelo menos, mais digna.

E é isso o que realmente importa para os novatos em busca de um lugar ao sol. Nada vai abalar a cabeça do menino quando sentado no chão em frente a TV, aos domingos, com seus olhos fixos e vidrados acompanhando na tela os lances quase mágicos de um Gareth Bale, um Lionel Messi ou Cristiano Ronaldo, jogadores badalados que faturam milhões por mês, recebem outros tantos milhões em propaganda, vivem em mansões, possuem iates e carros de luxo, e são tratados como celebridades internacionais, sempre ao lado de belas mulheres.
Mesmo que, no dia seguinte, a verdade nua e crua volte de forma implacável. Um campinho de terra batida sem nenhum glamour, sem câmeras, sem holofotes. Ou então um alojamento precário, um empresário ou dirigente que não oferece nada, dentro de um ambiente sem nenhum recurso e que pode levá-lo a sofrer alguma lesão grave que o faça sequer começar a carreira, abandonando definitivamente seu sonho. Pior: há inúmeros relatos de maus-tratos e de assédio sexual nas categorias de base. Sim, em muitos lugares, os meninos que sonham em ser jogadores de futebol recebem tratamento igual ou até pior que em abrigos de menores infratores.



Segundo a CBF, dos mais de 30.000 jogadores registrados no Brasil, 82% ganham no máximo dois salários mínimos. E somente 2% dos profissionais em atividade recebem mais do que R$ 12 mil mensais.
No leste europeu, destino provável da esmagadora maioria de garotos brasileiros que se destacam em clubes de empresários espalhados por aqui, 41,4% dos jogadores não recebem seus pagamentos em dia. Desses, muitos não recebem salário há mais de um ano. Além disso, a tal "vida boa" que muitos garotos imaginam para os jogadores que atuam no exterior, pode também se contrastar com a violência e o racismo de torcedores europeus.
Sim, o cenário do futebol, para a grande maioria, não tem nenhum glamour na vida real.


No entanto, dezenas de milhares de moleques se acotovelam diariamente dentro de um campinho, nas famosas "peneiras" e escolinhas, para conseguir uma vaga e treinar num time grande. Tudo para conseguir se tornar quem sabe um Lucas Moura, um Diego ou um Firmino.
Afinal, pouco importa se há garotos que sofrem em alojamentos ruins, sem higiene, sem água e sem comida. O que importa é que Neymar, por exemplo, está no topo do futebol, é o craque da seleção brasileira, tem dez carros, uma casa enorme com piscina, namora a Bruna Marquezine e fatura mais de R$ 100 milhões por ano.
Mas quando o menino olha para o lado, ele vê centenas de garotos como ele, dormindo dentro de um quarto junto com mais uma dúzia de outros adolescentes e recebendo metade de um salário mínimo. Alguns "mais abonados" pegam ônibus para ir treinar, outros têm de usar a velha bicicleta sem breque, outros têm de ir a pé.
O cenário é desanimador: tudo conspira para que o garoto caia na real e desista de ser um jogador de futebol. Porém, logo um deles se lembra de Marlone. Sim, no mesmo ano em que um garoto morreu quando fazia teste no Vasco, o time de São Januário revelou o meia Marlone, que um ano depois tinha o passe avaliado em € 10 milhões e foi vendido ao Cruzeiro. Já passou por Fluminense, Corinthians, Atlético-MG e atualmente está no Sport-PE. Em 2016, Marlone foi indicado ao Prêmio Puskás, oferecido pela FIFA ao gol mais bonito do ano, concorrendo ao lado de Neymar e Messi. Sua vida mudou completamente desde que ele saiu de um alojamento precário e foi para o time profissional do Vasco. E é exatamente isso o que passa pela cabeça de tantos meninos. Para eles, a referência é Marlone, por exemplo, e não aquele garoto de 14 anos que, em fevereiro de 2012, infelizmente morreu após passar mal enquanto treinava na equipe sub-15 do Vasco.


A cada revelação como Vinicius Junior e Rodrygo, que em breve estarão no Real Madrid, renasce a esperança de milhares de meninos em também conseguir chegar ao topo da pirâmide que, para eles, só o futebol pode proporcionar. Mais uma vez, seus olhares estão fixados na tela da televisão e jamais para o próprio lado, em algum alojamento malcuidado.
Por mais que a realidade seja dura e desafiante, ter seu nome estampado nas costas da camisa de um time grande faz o menino sentir que vale a pena lutar, que vale a pena enfrentar todas as adversidades. Sonhar com o lugar alcançado por Vinicius Junior, 17 anos, vale mais a pena do que passar o resto da vida andando de bicicleta e morando com a mãe numa casa pequena de porta e janela, alugada na periferia. Ao olhar para Gabriel Jesus com a camisa 9 da seleção na Copa do Mundo, o garoto ainda consegue acreditar que o futebol lhe dará uma vida melhor. E não se cansa de treinar, de jogar, de tentar aparecer. E ele vai continuar assim, tentando. Afinal, a viagem de três ou quatro dias dentro de um ônibus barulhento para disputar uma Copa São Paulo, na verdade nem é tão cansativa assim quando se trata de um sonho.
Sim, o sonho do futebol continua valendo a pena.




Adriano Oliveira tem este Blog desde 2009, mas a paixão pelo futebol nasceu bem antes disso. É um apaixonado que vibra pelas 11 posições, mas sempre assume uma, pois jamais fica em cima do muro. Aos 45 anos, o futebol ainda o faz sentir a mesma coisa que ele sentia aos 10.

3 comentários:

Anônimo disse...

Todo sonho vale a pena. Mais um texto incrível e absurdamente bem escrito. Parabéns novamente pelas palavras e ótimas colocações.

Alessandro disse...

Obrigado. Mas por que "anônimo"?

Anônimo disse...

Tentei fala com vc por muitas vezes só assim anônimo consegui saber se vc me responderia