quinta-feira, 25 de maio de 2017

VINICIUS JUNIOR, NEYMAR, HUGUINHO E ZEZINHO

Paciência.
Essa é hoje a palavra de ordem para Gabriel Vasconcellos, destaque do Corinthians e artilheiro da Copa São Paulo de Futebol Júnior de 2015. O jogador de 21 anos se mantém a espera de um time para jogar. Alçado ao time profissional do Corinthians há dois anos, Gabriel treina separadamente do restante do elenco esperando por uma oportunidade que, infelizmente para ele, não vai chegar. O técnico Fabio Carille já sinalizou que não conta com o jogador para essa temporada. Devido à idade, ele também não pode mais jogar pelas categorias de base do clube e faz apenas exercícios físicos no CT. Gabriel não esconde a tristeza, mas tem paciência. A mesma paciência que tinha aos 12 anos, quando saiu de Rondônia para jogar pelo Amparense, um time de empresários do interior de Minas Gerais. Rapidamente foi observado e levado para o Fluminense, até chegar ao Parque São Jorge, onde tem contrato até dezembro de 2018.



A história de Gabriel é bastante parecida com a de outro garoto, Vinicius Junior. O menino que saiu de São Gonçalo, subúrbio do Rio de Janeiro, também foi destaque e artilheiro da Copa São Paulo, e rapidamente subiu para o time profissional do Flamengo.
Mas as semelhanças param por aí. Com apenas 24 minutos em duas partidas atuando pelos profissionais, o menino de 16 anos entrou para o noticiário esportivo como a segunda maior venda de um jogador de futebol brasileiro, atrás apenas de Neymar. Por € 45 milhões, ele foi vendido pelo Flamengo ao poderoso Real Madrid, a maior transação já feita no Brasil por um jogador com menos de 19 anos de idade. O valor corresponde exatamente à multa rescisória estipulada na última renovação de contrato de Vinicius Junior junto ao time carioca. Com exímia qualidade técnica desde os cinco anos de idade, Vinicius vestirá a camisa merengue somente em julho de 2018, quando completará 18 anos e poderá ser registrado pelo clube espanhol.




Wendel Junior tinha o mesmo sobrenome e o mesmo sonho de Vinicius, mas infelizmente não teve a mesma sorte. Em fevereiro de 2012, o adolescente de 14 anos, que fazia testes no CT do Vasco, morreu após passar mal enquanto treinava com a equipe sub-15. Na época, funcionários revelaram que alguns treinamentos eram cancelados porque não havia comida para os garotos almoçarem. Também não havia jantar e café da manhã, nem médico ou ambulância. Em agosto do mesmo ano, uma juíza da Vara da Infância e da Juventude determinou a interdição dos alojamentos das categorias de base do Vasco, em São Januário, devido às condições precárias e inapropriadas para a prática esportiva. Wendel Junior, que saiu de São João Nepomuceno, em Minas Gerais, morava no alojamento do clube e assim como Gabriel Vasconcellos e Vinicius Junior, era mais um dos milhares de meninos que sonham se tornar um dia jogadores profissionais de futebol. No entanto, os milhares se tornam centenas, depois dezenas, depois somente alguns. Ou nenhum.



"É o vestibular mais difícil do Brasil."
A frase é de Bebeto Stival, educador e formador de jogadores, que trabalhou como supervisor das categorias de base do Santos e foi o responsável pelo surgimento de jogadores como Neymar e Paulo Henrique Ganso, por exemplo.
Mística ou sorte do raio cair no mesmo lugar?
Não, nada acontece por acaso. Na grande maioria das vezes, o garoto é avaliado de maneira rigorosa nas chamadas "clínicas" que acontecem por todo o Brasil, com apoio das prefeituras locais. As clínicas chegam a ter de 500 a 600 inscrições, onde são selecionados no máximo 20 garotos que são encaminhados para a Baixada Santista e treinam no CT do clube por uma semana. Após todos os testes, um ou dois permanecem. Muitas vezes, nenhum.
Mas por que então tantos meninos insistem em tentar uma chance, na prática, quase impossível? Porque somente em 2016, a seleção brasileira teve nove jogadores do Santos convocados para atuar em suas categorias de base, do sub-15 ao sub-20, além da seleção olímpica.
No atual elenco profissional do clube, há treze jogadores que subiram diretamente da base. Desses, sete atuam regularmente como titulares. E três deles foram campeões com a seleção nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro: Zeca, Thiago Maia e Gabriel Barbosa, além de Felipe Anderson e Neymar, que também foram revelados pelo Santos.
E essa é uma das razões que fazem tantos garotos acreditarem no mundo dourado do futebol. Afinal, a bola rebola nos pés de quem sabe jogar, seja no Maracanã ou em qualquer campinho de terra do planalto central do país.


Por causa de Vinicius Junior, de Neymar, de Philippe Coutinho e de Gabriel Jesus, por exemplo, quantas esperanças não viajam de ônibus para tentar a sorte numa Copa São Paulo de Futebol Júnior? Quantos “inhos” não vislumbram tentar aparecer e ter a sorte grande de, através do futebol, tentar ser alguém na vida? São os Zezinhos, Luizinhos, Joãozinhos, Jairzinhos, Ricardinhos, Antoninhos, Romarinhos, Pelezinhos e uma infinidade de outros “inhos” que viajam dias dentro de um ônibus barulhento e desconfortável, rumo à cidade grande, num calor quase insuportável que entra pelas janelas por onde se vê a paisagem rude que faz manter na lembrança de cada menino a vida sofrida que esperam poder deixar para trás. Eles saem dos rincões pelo interior do Brasil para as grandes cidades, onde estão os times grandes da televisão, e se espelham em tantos jogadores famosos que, assim como eles, acreditaram um dia que o futebol era a única chance de sonhar com uma vida melhor ou, pelo menos, mais digna.
E é isso o que realmente importa para os novatos em busca de um lugar ao sol. Nada vai abalar a cabeça do menino quando sentado no chão em frente a TV, aos domingos, seus olhos fixos e vidrados acompanhando na tela os lances quase mágicos de Ibrahimovic, Lionel Messi e Cristiano Ronaldo, que faturam milhões por mês, recebem outros tantos milhões em propaganda, vivem em mansões, possuem iates e carros de luxo, e são tratados como celebridades internacionais, sempre ao lado de belas mulheres.
Mesmo que, no dia seguinte, a verdade nua e crua volte de forma implacável. Um campinho de terra batida sem nenhum glamour, sem câmeras, sem holofotes. Ou então um alojamento precário, um empresário ou dirigente que não oferece nada, dentro de um ambiente sem nenhum recurso e que pode levá-lo a sofrer alguma lesão grave que o faça sequer iniciar a carreira, abandonando definitivamente seu sonho. Pior: há inúmeros relatos de maus-tratos e de assédio sexual nas categorias inferiores da base. Sim, em muitos lugares, os meninos que sonham em ser jogadores de futebol recebem tratamento igual ou até pior que em abrigos de menores infratores.
Segundo a CBF, dos mais de 30.000 jogadores registrados no Brasil, 82% ganham no máximo dois salários mínimos. E somente 2% dos profissionais em atividade recebem mais do que R$ 12 mil mensais.
No leste europeu, destino provável da esmagadora maioria de garotos brasileiros que se destacam em clubes de empresários espalhados por aqui, 41,4% dos jogadores não recebem seus pagamentos em dia. Desses, muitos não recebem salário há mais de um ano. Além disso, a tal "vida boa" que muitos garotos imaginam para os jogadores que atuam no exterior, pode também se contrastar com a violência e o forte racismo de torcedores.
Sim, o cenário do futebol, para a grande maioria, não tem nenhum glamour na vida real.




Mesmo assim, dezenas de milhares de moleques se acotovelam diariamente dentro de um campinho, nas famosas "peneiras" e escolinhas, para conseguir uma vaga e treinar num time grande. Tudo para conseguir se tornar um Lucas Moura ou um Robinho.
Afinal, pouco importa se há garotos que sofrem em alojamentos ruins, sem higiene, sem água e sem comida. O que importa é que Neymar, por exemplo, está no topo do futebol, joga no Barcelona, tem dez carros, uma casa enorme com piscina, namora a Bruna Marquezine e fatura mais de R$ 50 milhões por ano.
Mas quando o menino olha para o lado, ele vê centenas de garotos como ele, dormindo dentro de um quarto junto com mais uma dúzia de outros adolescentes e recebendo metade de um salário mínimo. Alguns "mais abonados" pegam ônibus para ir treinar, outros têm de usar a velha bicicleta sem freio, outros têm de ir a pé.
O cenário é desanimador: tudo conspira para que o garoto caia na real e desista de ser um jogador de futebol. Porém, um desses meninos logo lembra de Marlone. Sim, no mesmo ano em que um garoto morreu quando fazia teste no Vasco, o time de São Januário revelou o meia Marlone, que um ano depois tinha o passe avaliado em € 10 milhões e foi vendido ao Cruzeiro. Já passou por Fluminense, Sport, Corinthians e atualmente está no Atlético-MG. Em 2016, Marlone foi indicado ao Prêmio Puskás, oferecido pela FIFA ao gol mais bonito do mundo na temporada, concorrendo ao lado de Neymar e Messi. Sua vida mudou completamente desde que ele saiu de um alojamento como aquele para o time profissional do Vasco. E é exatamente isso o que passa pela cabeça de todos os meninos que estão ali. Para eles, a referência é Marlone, e não o garoto que, infelizmente, morreu durante uma peneira.
A cada revelação como Vinicius Junior, que em breve estará no Real Madrid, renasce a esperança de milhares de meninos em também conseguir chegar ao topo da pirâmide do futebol. Mais uma vez, seus olhares estão fixados e vidrados para a tela da televisão e jamais para o próprio lado, naquele alojamento malcuidado.
Por mais que a realidade seja dura e desafiante, ter seu nome estampado nas costas da camisa de um time grande faz o menino sentir que vale a pena lutar, que vale a pena enfrentar todas as adversidades. Sonhar com o lugar alcançado por Vinicius Junior, 16 anos, vale mais a pena do que passar o resto da vida andando de bicicleta e morando com a mãe numa casa pequena de porta e janela, alugada na periferia. Ao olhar para Vinicius Junior, o garoto ainda consegue acreditar que o futebol lhe dará uma vida melhor. E não se cansa de treinar, jogar, tentar aparecer, afinal, ano que vem tem Copa São Paulo de novo. E ele vai continuar assim, tentando. Afinal, a viagem de três ou quatro dias dentro de um ônibus barulhento nem é tão cansativa assim.
Apesar de tudo, o sonho do futebol continua valendo a pena.






Adriano Oliveira tem este Blog desde 2009, mas a paixão pelo futebol nasceu bem antes disso. É um apaixonado que vibra pelas 11 posições, mas sempre assume uma, pois jamais fica em cima do muro. Aos 44 anos, o futebol ainda o faz sentir a mesma coisa que ele sentia aos 10.

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