quinta-feira, 23 de junho de 2016

A BOLA E OS SONHOS DO MENINO

*por Adriano Oliveira


Era uma vez um menino...
Sentado à beira do campinho, terra misturada com grama, olhava atentamente para ela, a bola, envelhecida por tardes de sol e de chuva. A bola subia, descia, deslizava suavemente pelo chão, corria efusiva de um lado para o outro. Parecia sensualizar-se diante do olhar curioso do menino. O entardecer no horizonte tinha a mesma cor da chama que passava a queimar em seu coração a cada movimento dela, a bola, que não parava.
Eles, bola e menino, trocavam olhares insinuantes.
Enfeitiçado, se levantou e foi chegando cada vez mais perto.
Parou e a olhou fixamente. O encanto surgiu. O jogo de sedução entre ambos estava predestinado a durar para todo o sempre. A bola, libidinosa, encostada em seus pés, pedia para ser tocada, acariciada. Num impulso, o menino foi induzido a levantá-la. Pela ponta dos dedos, à altura da coxa, até o peito.
Destemida, a bola queria logo mostrar o quanto deveria ser reverenciada por ele e aqueles olhinhos brilhantes. Foi alçada para cima, bem alto. Vidrado e vibrante, o menino se curvou perante sua rainha e, em sua nuca, a bola caprichosamente se aninhou. Sem deixá-la cair ao chão, o menino a dominou novamente nos pés. Voltou a aconchegá-la sobre a cabeça, deixando-a pousar faceira, enquanto ela lhe sussurrava ao ouvido, numa simbiose perfeita que o levava para mundos diferentes, realidades distintas e arenas suntuosas abarrotadas de gente. Ali estava ele, estático e entregue aos encantos e desatinos dela, a bola , impregnado por uma sensação jamais sentida. E que jamais teria explicação. Porque onde quer que seja, mesmo num território hostil de terra batida e abatida de uma aldeia afegã, com a bola nos pés ele poderia sentir-se uma estrela, um maestro da camisa 10, o máximo artilheiro de uma grande seleção, um mito.
E a bola seria, a partir dali, seu desafio constante. Porque ela se deixa dominar, mas também domina. A bola pune. Castiga. Impiedosa, ela sempre responde aos desígnios do jogo, da vontade e do desejo de seus deuses. Por mais que se esforce, o menino é seu refém, seu amo, seu subordinado, seu réu. Ora dominador, ele terá criatividade ímpar para reverenciá-la com novos dribles, malabarismos e gestos. Vai comemorar, gritar, pular, extravasar de alegria. E de tristeza também. Mas a bola, imponente, será o motivo de seus risos, seus devaneios, seus sonhos e suas lágrimas.
E o jogo segue, sempre. Com o fetiche, a magia e o feitiço que continuam a cada manhã, em cada campinho com uma bola e um menino. Muito além de ser, simplesmente, um jogo.



Leia:  site oficial Conmebol - "Com 55 gols Messi é o máximo artilheiro da Seleção Argentina http://migre.me/ublZm


Adriano Oliveira tem este Blog desde 2009, mas a paixão pelo futebol nasceu bem antes disso. É um apaixonado que vibra pelas 11 posições, mas sempre assume uma, pois jamais fica em cima do muro. Aos 43 anos, o futebol ainda o faz sentir a mesma coisa que ele sentia aos 10.

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