quarta-feira, 29 de junho de 2016

MESSI, DO MEIO DE CAMPO AO ABATEDOURO

*por Adriano Oliveira

" - Já deu, a seleção argentina acabou para mim. Perdi mais uma vez nos pênaltis, mas já foi (...) Dói muito não ter sido campeão com a Argentina e vou embora sem ter conseguido."
(Lionel Messi, 29 anos, meia do Barcelona e da seleção argentina, abatido após decisão da Copa América Centenário).


A caminhada de um jogador de futebol do meio de campo até a marca do pênalti é como se fosse a de um boi indo em direção ao corte.
Naqueles segundos que mais parecem uma eternidade, certamente um filme se passa por sua cabeça. Seja ele limitado como um zagueiro brucutu ou o craque ídolo de toda uma geração.
Naquele caminho repleto de certezas e dúvidas, de afirmações e inseguranças, imagens se carregam por todos os lados. Ele pensa em sua carreira, em sua família, em seus amigos, em sua vida. Lembra-se do quanto foi difícil para ele estar ali, naquele momento, naquela trajetória solitária e silenciosa sob os olhares do mundo inteiro.
A carga emocional é imensa. O fardo é pesado. E quanto maior o peso da camisa que veste, maior o tamanho da responsabilidade em suas costas.
Depois de um empate sem gols no tempo normal e na prorrogação, foi exatamente ali, na marca da cal dentro da grande área, a 11 metros do gol, que Chile x Argentina decidiram a edição centenária da Copa América disputada nos Estados Unidos em 2016.
Os treinadores Juan Pizzi e Gerardo Martino, de Chile e Argentina respectivamente, não quiseram correr riscos. Tinham a consciência de que não poderiam em hipótese alguma dar chances ao azar e decidiram que seus melhores jogadores, os craques de cada equipe, abririam as cobranças. Era mais que uma escolha. Eram medidas de segurança.
O primeiro a bater foi Arturo Vidal. Exímio cobrador de penalidades, o craque chileno falhou, titubeou na hora H e o goleiro argentino Romero defendeu. Porém, fica uma pergunta dias depois da decisão:
Alguém ainda se lembra que Vidal perdeu aquele pênalti?
Em seguida, o árbitro brasileiro Heber Roberto Lopes aponta para ele, o jogador eleito cinco vezes pela FIFA o melhor da Terra.
E Lionel Messi iniciou a caminhada fatal.
No caminho, a vibração de mais de 82 mil espectadores presentes no belo estádio de New Jersey parecia ecoar despercebida em sua mente. A grande estrela do futebol internacional na atualidade se concentrava talvez numa única voz que teimava em ocupar seus pensamentos, bem mais alta e em bom som:
" - Tenho certeza que ganharemos do Chile no domingo. E, se não ganharmos, é melhor que os jogadores nem voltem para a Argentina."
O "alerta" era de ninguém menos que Diego Armando Maradona. O maior ídolo do futebol argentino de todos os tempos. O consagrado gênio que, mesmo contestado fora de campo, jamais vacilou com a pesada camisa de sua seleção. E que, levando o time de 1986 nas costas, deu uma Copa do Mundo para seus súditos apaixonados por futebol.

Ademais, Lionel Messi sabia da enorme dimensão que tomou a expectativa pelo título depois de 23 anos de jejum. Muita gente até desdenhou do torneio, considerando-o apenas festivo e "amistoso" por sequer dar vaga na próxima Copa das Confederações. Mas para os argentinos sedentos por uma conquista, era preciso triunfar. Era preciso ser campeão. Principalmente porque ele, Messi, estava vivendo sua melhor fase pela Argentina. Dias antes havia se tornado o maior artilheiro da seleção com a marca de 55 gols assinalados. Depois de três finais em três anos seguidos, aquele era, sem sombra de dúvida, o momento de sacramentar a única coisa que ainda lhe falta na carreira: levantar um troféu vestindo a camisa de seu país.
A caminhada de Messi do meio de campo até a marca do pênalti era para os argentinos a quase certeza de que a maldição dos últimos seis vice-campeonatos teria um fim naquela noite de domingo nos Estados Unidos. Até o mais pessimista dos hermanos sabia que dali, daquela marca de cal, a bola chutada por Messi estufaria fácil as redes de Claudio Bravo e abriria caminho para o tão esperado fim da escassez de títulos.
Mas a bola, caprichosa como sempre, decidiu pregar mais uma de suas peças mesmo a quem tanto lhe trata bem. Quiseram os enigmáticos Deuses do Futebol que o drama argentino continuasse.
Messi tomou distância. Olhou fixamente para a bola. Não olhou para o gol. Correu, bateu e perdeu. Isolou para cima do gol seu maior objeto de desejo, a bola. Para o alto. E muito. Para longe do alvo. Ao melhor estilo de outro camisa 10, o italiano Roberto Baggio que, 22 anos atrás, desperdiçou sua cobrança decisiva também nos Estados Unidos, culminando com a perda do título da Copa do Mundo para o Brasil de Carlos Alberto Parreira.
"La Pulga" isolou a bola em sua cobrança da mesma forma que se isolou na artilharia da Alviceleste com seus 55 gols. Mas foi na silenciosa trajetória do meio de campo até a cobrança do pênalti que Messi viveu um pesadelo tão grande capaz de fazê-lo desistir de jogar por sua seleção. A pressão por um pênalti perdido após a amaldiçoada caminhada foi como um tapa na cara de um dos maiores jogadores da história, capaz de conquistar oito Campeonatos Espanhóis, quatro Ligas dos Campeões da Europa, quatro Copas do Rei e três Mundiais de Clubes com o poderoso Barcelona, mas incapaz de devolver um único grito de campeão a seu povo, depois de 23 anos de uma amargurante abstinência.
Naquela fatídica caminhada até a grande área, acompanhado pela sombra fantasmagórica de Diego Maradona, Messi decidiu que abandonaria sua seleção em caso de um novo revés. E assim declarou logo depois de mais um vice.
A culpa do insucesso da Argentina é de Messi? Não. Talvez a culpa seja de quem ainda não acredita na maldição da caminhada decisiva do centro do gramado até a grande área.
Como já havia acontecido um ano antes, os pênaltis deram novamente aos andinos o estrelato da justa conquista de mais uma Copa América. E aos argentinos, os pênaltis mais uma vez foram cruéis. Com Messi, mais ainda.
O mais europeu dos argentinos não se esquecerá tão cedo daquela noite de domingo em New Jersey e, principalmente, de sua caminhada do meio de campo até o abatedouro.




Adriano Oliveira tem este Blog desde 2009, mas a paixão pelo futebol nasceu bem antes disso. É um apaixonado que vibra pelas 11 posições, mas sempre assume uma, pois jamais fica em cima do muro. Aos 43 anos, o futebol ainda o faz sentir a mesma coisa que ele sentia aos 10.

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