sábado, 13 de agosto de 2016

O BRASILEIRO E SUA SELEÇÃO

*por Adriano Oliveira


É claro que o futebol não vai salvar uma pátria que historicamente não é nação. Mas com toda certeza o futebol oferece a sensação, muitas vezes única, de que é possível ser feliz. Mais que isso. Dá a esperança para meninos e meninas dentro de cada campinho de terra batida. Jovens que talvez não sejam tão "bonitinhos" e saudáveis como as crianças dos anúncios de roupa ou iogurte na TV, mas que desfilam sua beleza e sua inteligência com a bola rolando, faceira nos pés, capazes de driblar e chutar para escanteio todas as mazelas que a vida costumeiramente lhes dá a cada dia.
Assim, o futebol cumpre o seu papel de inspirar. E ao mesmo tempo diverte e até faz chorar. De alegria ou de tristeza, tanto faz. Mas, acima de tudo, com a sensação de que, pelo menos dentro de campo, todo brasileiro, em qualquer lugar ou em qualquer situação, se liberta e faz parte de uma vida com objetivos.
Porque o estádio de futebol é talvez o único lugar capaz de reunir ao mesmo tempo, pelo mesmo motivo e com a mesma intensidade, milhares de pessoas de todas as idades, estilos, crenças e classes sociais. Faça frio ou faça sol, durante o dia ou de noite, o estádio se torna a catarse coletiva que transcende a razão. É ali que o gari e o médico se abraçam celebrando o grito de gol. Que o garçom e o advogado berram juntos xingando o árbitro pela marcação ou não de um pênalti duvidoso. É ali, no meio de tanta gente movida pelo mesmo ideal, que o torcedor ri, chora, se lamenta, vibra, se desespera, desabafa a insatisfação com seu emprego, digere a bronca do chefe no fim do expediente, se liberta da relação mal resolvida que vive dentro de casa.
É compreensível que, muitas vezes, o sentimento de tristeza e também de vergonha acabe por afastá-lo. Perde-se o interesse, vem a desconfiança. Mas lá dentro, no fundo, o apaixonado torcedor sabe que o sentimento é passageiro e que vexames ou grandes decepções são como provas de amor. Um dia o brasileiro e sua seleção de futebol se reencontram e tudo volta a ser como era antes, com calafrios é verdade, mas sem medos. Um reencontro que faz o brasileiro voltar fulminante ao passado, que esquenta novamente a relação morna com direito ao desejo ardente de todas as noites. Ou de todos os jogos.
Há muitas coisas "sujas" no futebol que o torcedor sabe que existe e que, no momento em que a chama do fogo reaparece, finge não saber. Porque a paixão pelo futebol se reinventa e faz o que parecia ser um desconsolo se tornar, de novo, poesia. E há quem explique a implacável poesia da bola? Só ela, que faz parte das "coisas da coisa", permite se reerguer depois de uma queda. Depois de um 7 x 1. De um Maracanazzo ou de um Mineirazzo.
Sim, apesar de tudo e de toda a velha síndrome de vira-lata, o brasileiro ainda se identifica com sua seleção. Mesmo que desconfiado. Mesmo que a contragosto ou a olhando de lado.
Uma seleção que ainda o faz torcer e que volta e meia pode ser capaz de lhe devolver a autoestima, nem que seja por 90 minutos.
Afinal, com ou sem o recente e intragável 7 x 1 na bagagem, o Brasil ainda é o país mais vezes campeão do mundo. E, nesses dias tão estranhos de Jogos Olímpicos, o hino nacional voltou a ser cantado a capela pela torcida nas arquibancadas e a bola voltou a rolar ao som dos gritos de olé, de pé em pé, não para menosprezar o adversário, mas para celebrar um país que sempre deu certo dentro das quatro linhas. A bola novamente se insinua para o brasileiro, porque gosta de ser tocada por ele, de ser reverenciada em cada drible, em cada gol, em cada lance.
A desconfiança então dá lugar à lembrança de quantos balanços, quantos passeios, quanta ginga, quanta vontade de vencer já tivemos. De quanta beleza, quanta suavidade, com tanta naturalidade, como nos passos de Gisele, sob os olhares do mundo inteiro. Talvez a relação de amor e ódio do brasileiro com sua seleção seja "a coisa mais linda, mais cheia de graça", que somente a letra de Tom Jobim pode tentar descrever.
A seleção, mais uma vez, aos poucos consegue se livrar da marcação do seu mais fiel e apaixonado adversário, o próprio brasileiro.
O futebol, caprichoso, sempre dá o seu jeito.




Adriano Oliveira tem este Blog desde 2009, mas a paixão pelo futebol nasceu bem antes disso. É um apaixonado que vibra pelas 11 posições, mas sempre assume uma, pois jamais fica em cima do muro. Aos 43 anos, o futebol ainda o faz sentir a mesma coisa que ele sentia aos 10.

2 comentários:

Unknown disse...

Há muito tempo não via a amarelinha ser defendida com tanto amor e raça. Parabéns as meninas da nossa seleção, podemos até não ganhar esses jogos, mas elas conseguiram reacender a chama do orgulho pelo verde e amarel.

Alessandro disse...

O brasileiro, de um modo geral, possui uma infinita relação de amor e ódio com sua seleção de futebol, masculina e feminina. A coisa esfria as vezes, até por tempo indeterminado, mas sempre reacende novamente.