domingo, 29 de maio de 2016

OS FANTASMAS DE SIMEONE

*por Adriano Oliveira

Lisboa, 24 de maio de 2014.
Na capital portuguesa, a Espanha viu, pela primeira vez, dois de seus filhos disputarem o troféu mais desejado de toda a Europa. A "orelhuda", a "taça das taças".


O argentino Diego Simeone, técnico do então atrevido Atlético de Madrid, nunca esteve tão perto de um título que seria mais que merecido. Para ele e para o clube. Afinal, a campanha havia sido brilhante, quase mágica, com vitórias sofridas é verdade, mas que esbanjavam garra e determinação impressionantes. Dentro de campo, o Atlético era o retrato-falado de seu treinador: futebol europeu com a essência do sangue latino.
Do outro lado, a realeza. O filho mais nobre de Madrid. O Real sob o comando de Carlo Ancelotti. O técnico que quase deixou escapar a alma copeira de seu time diante do rival Atlético, talvez a equipe mais bem treinada do mundo para saber se defender. Godín fez um gol ainda no 1º tempo. E seu time marcou, marcou, marcou, segurando com uma das mãos a mais cobiçada das taças até os 48 minutos do 2º tempo, quando Sergio Ramos, quase do além, empatou a partida.
Depois de mais de 90 minutos de um jogo intenso, o fantasma de 40 anos antes pairou sobre o lotado Estádio da Luz. Simeone o enxergou personificado na imagem de Franz Beckenbauer, então líder do Bayern campeão europeu de 1974 na épica conquista sobre os colchoneros. E pressentiu pelo pior. Na prorrogação, um jogo completamente novo. E diferente. O Real recuperou sua soberania e fez mais três gols. 4 x 1. E foi campeão de forma impiedosa, com ares de crueldade.

Milão, 28 de maio de 2016.
Dessa vez, foi a cidade italiana que absorveu os olhos de todo o planeta por um dia inteiro para mais uma final entre eles, os madrilenhos. E, de novo, lá estava a figura de Diego Simeone. Aos 46 anos, o ex-volante e ídolo da seleção argentina, de temperamento forte e sempre  impecavelmente vestido de preto, sabia da importância da nova decisão diante dos merengues. "Cholo", como foi apelidado pela mãe, precisava do título para coroar seu trabalho a frente do time colchonero e, enfim, premiar sua torcida fanática, vibrante e apaixonada. A tática? A mesma, o resgate da essência do clube: marcação cerrada, contra-ataque e força. Com uma boa dose de paixão na ponta da chuteira. O Atlético, de Simeone, não tem o toque de bola envolvente do Barcelona, nem a classe do Real Madrid, tampouco o vistoso "balé" do Bayern de Munique. Mas é aguerrido, forte e motivado. Exatamente como era Cholo dentro de campo.
Foi uma final inesquecível, de dois times incansáveis em mais de 120 minutos de futebol. Do outro lado, dessa vez, estava Zinedine Zidane. O mais clássico camisa 10 na história recente é também o líder do mais novo projeto merengue de voltar a ser a grande estrela do futebol internacional. Para o Real Madrid de Zidane, o jogo valia a undécima "orelhuda" na vasta galeria de troféus do clube. Para os colchoneros liderados por Simeone, era "o jogo de nossas vidas". O Real era novamente favorito, como foi em Lisboa. Mas o Atlético era competitivo e parecia estar mais comprometido que nunca. No San Siro abarrotado de torcedores, Sergio Ramos, de novo, abriu o placar. No 2º tempo, Griezmann perdeu um pênalti. O desespero dos colchoneros nas arquibancadas era contagiante. Simeone consolou o atacante e pediu apoio da torcida. A minutos do fim, veio a redenção do empate nos pés de Ferreira Carrasco. O goleiro Keylor Navas olhava incrédulo a vibração eletrizante no estádio. Mais trinta minutos de jogo e o empate de 1 x 1 levou às penalidades. Cristiano Ronaldo, apagado durante o jogo devido à lesão na panturilha, bateu o último pênalti e fez o torcedor do Real esquecer de vez Rafa Benítez. Com a vitória por 5 x 3, se sobressaiu no fim quem possui mais riqueza, mais majestade e mais talento individual. Ingredientes que podem decidir uma partida num lance isolado, num descuido do adversário. Numa cobrança de pênalti.
Desolado, porém aplaudido de pé pelos torcedores, Diego Simeone não sabia o que dizer. Justamente ele, que sabe exatamente o que falar para seus comandados em cada momento, em cada vestiário, que sempre teve a mensagem certa antes de cada partida na difícil trajetória até mais uma final. Cholo olhava fixamente para o campo. Na cabeça, faltava a coroa do maior trabalho já feito por um treinador na história do Atlético de Madrid, que ele conhece tão bem.
De novo, o vice-campeonato europeu com ares de uma crueldade inexplicável dos Deuses do Futebol. Talvez de Beckenbauer, Ancelotti e Zidane. Os fantasmas de Cholo. E do torcedor colchonero.




Adriano Oliveira tem este Blog desde 2009, mas a paixão pelo futebol nasceu bem antes disso. É um apaixonado que vibra pelas 11 posições, mas sempre assume uma, pois jamais fica em cima do muro. Aos 43 anos, o futebol ainda o faz sentir a mesma coisa que ele sentia aos 10.

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