quinta-feira, 1 de maio de 2014

AYRTON SENNA. ALÉM DA IMAGINAÇÃO.

Jornal "O Estado de São Paulo", edição de 01/11/1988

Me lembro perfeitamente daquele domingo de vinte anos atrás.
Era mais um domingo de Fórmula 1, o começo de uma temporada que prometia. Afinal, Ayrton Senna finalmente estava a bordo do carro que tanto queria pilotar. Era o melhor carro da categoria com o melhor piloto. Combinação perfeita.
Me lembro da tal curva Tamburello, uma batida forte a mais de 300 Km/h. Do capacete amarelo se mexendo, talvez o último suspiro. Me lembro do almoço mais sem graça que um domingo já teve. Dos olhos lacrimejados de meu pai, triste, angustiado, como raras vezes eu vi. Daquela vinheta do "plantão" da TV Globo invadindo o começo da tarde, e o repórter Roberto Cabrini dando aos brasileiros a notícia que ele jamais gostaria de dar. Me lembro da maior comoção coletiva deste país. E me lembro que, naquele domingo, acabava o encanto da Fórmula 1.
Ayrton Senna se foi há exatos 20 anos. E com ele um pouco da alegria das manhãs de domingo. Com ele se foi a esperança e a certeza de um Brasil que dava certo ou que poderia dar certo. De um Brasil que era invejado no mundo inteiro, e não aquele Brasil cheio de árvores e gente dizendo "adeus". A cada vitória nas pistas (e foram tantas), Senna fazia questão de erguer a bandeira de seu país. Para mostrar ao mundo que, acima de todos os problemas e mazelas, aquele era também um país vencedor. O país do futuro.
Senna sentia orgulho de seu gesto e os brasileiros sentiam orgulho de Senna.
Há 20 anos a Fórmula 1 nunca mais foi a mesma sem o encanto daquele capacete amarelo. Pelo menos não mais para a grande maioria dos brasileiros. Porque Senna era muito mais do que meras corridas de carros. A maioria dos brasileiros não sabia a diferença técnica entre um motor Renault, um Mercedes-Benz ou Honda. Mas tinha a certeza de que Ayrton estava acima de qualquer motor, de qualquer equipe, de qualquer piloto. Talvez a maior sinergia entre ídolo e torcida que já existiu.
Outros pilotos já foram tricampeões mundiais como ele foi. Um alemão foi heptacampeão. Tantos outros foram campeões. E outros mais podem vir a conquistar sete, oito, nove, dez títulos da Fórmula 1. Mas e daí?
A certeza que fica é que jamais algum outro piloto vai ganhar uma só corrida como Ayrton Senna ganhou. Pilotar como ele? Jamais. Fazer o que ele fez? Nunca mais.
Senna nunca estará fora de cena. Porque Ayrton Senna foi além da imaginação.
Foi o ídolo dos Joãos, dos Antonios, das Marias, das Lurdes, dos Zés, dos Martins, dos Souza, dos Oliveira, dos Santos, dos Silva... O Ayrton Senna do Brasil. Eternamente.

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