domingo, 7 de dezembro de 2014

QUANDO CHEGA A HORA DE UM ROGÉRIO CENI PARAR?


Era o começo da noite de uma quarta-feira quente, de baixa umidade, temperatura batendo na casa dos 30 e poucos graus, ele havia encerrado o expediente e se deu ao direito de beber uma cerveja gelada num bar mais ou menos conhecido da região. A “loira da vitória”, como costumava dizer.
Aos poucos, o local foi ficando bastante movimentado e com a presença de vários torcedores. E torcedoras também, claro. Haveria jogo de futebol e muita gente se concentrava ali para assistir.
Pouco antes do início da partida, o bar estava lotado. E o assunto recorrente era a aposentadoria anunciada do goleiro e capitão daquele time grande da capital. Mais do que isso: um goleiro-artilheiro, cheio de recordes.
 Era visível a idolatria dos torcedores ali presentes pelo goleiro. Até o chamavam de “mito”. Fez uma rápida pesquisa no Google e descobriu: Aos 41 anos, sendo 21 anos de carreira, foram 123 gols marcados, 1.184 partidas vestindo a camisa de um único time, 930 jogos como capitão e mais de 600 vitórias. Ou seja, jamais haverá outro goleiro com tantos feitos na carreira como aquele. E por essas e outras razões, aquele goleiro é o maior ídolo da história de seu clube.
Começou o jogo. Ele nem gostava tanto de futebol e não torcia para time nenhum, mas normalmente assistia aos jogos da seleção brasileira. O que também estava em xeque após o fiasco na última Copa. Ou melhor, da “nossa” Copa, disputada aqui em nosso quintal.
Mas por causa da atmosfera daquele ambiente no bar, se interessou por aquele jogo e passou a prestar atenção no goleiro que em breve estaria se despedindo dos gramados.
Logo percebeu que o goleiro era um líder nato. Arrumava o time dentro de campo, gritava com os companheiros, batia palmas diante de uma bela jogada, estimulava a equipe. Tinha técnica e o reflexo ainda apurado que lhe davam segurança para fazer defesas importantes. Os demais jogadores de seu time, qualquer um, tinham extrema confiança no tal goleiro. Recuavam a bola sem cerimônia, mesmo em situações de risco. E como raríssimos jogadores de sua posição, o goleiro sabia perfeitamente sair jogando com os pés, até se atrevia a fazer um ou outro lançamento. Jogava adiantado, quase de “líbero”, como disse um torcedor ao seu lado. A galera do bar vibrava a cada defesa que fazia como se fosse um gol.
Mas levou um gol. E o primeiro tempo acabou com vitória parcial do time adversário.
O goleiro foi o principal alvo dos repórteres quando os jogadores deixavam o campo para o intervalo. Nas entrevistas, não mostrava nenhum sinal de conformismo com a derrota, nenhum sinal de cansaço ou de acomodação. Perspicaz, sabia falar e se expressar bem.
Veio o segundo tempo. Uma falta perigosa próxima da área e, com atitude e empurrado pelos seus “súditos” no estádio, fez a cobrança com exímia categoria e a bola explodiu no travessão.
“ – Uuuuuuuuuuhhhhhhh!!!”, soltou o pessoal do bar, eufórico.
Fim de jogo. O time grande perdeu, dentro de casa, para uma equipe inexpressiva. No bar, muita gente xingou muitos jogadores. Menos o goleiro. Ou, para eles, o “mito”.
E ele ficou sem entender por que o tal goleiro estaria encerrando sua carreira. Por que iria se aposentar? Por que chegou a hora? Quem determina a hora de um profissional desse nível parar? O “fim” tem que partir dele, do ídolo. É claro que, depois dos 40 anos, as falhas se tornam imperdoáveis. Pois não se julga um veterano com os mesmos olhos com os quais se julga um jovem promissor que ainda tem a vida inteira pela frente. Ao veterano, a crítica é mais dura, ácida, e se enxerga mais a decadência do que as virtudes. Ficou sabendo por uma torcedora que até já haviam confeccionado uma camisa especial para seu último jogo. E ele respondeu:
“ – Fácil. É só dobrar e recolocar na embalagem”.
Porque ele sentiu o quanto aquele goleiro era importante para seus torcedores. Ídolo incondicional de um clube. E mesmo que os torcedores rivais não gostem dele, mesmo que digam com deboche que "mito" é apenas um apelido que lhe deram e que o goleiro nunca foi "tudo isso", pouco importa. Para o futebol, esse goleiro-artilheiro é uma referência, uma marca registrada na história e uma lembrança do antigo e genuíno futebol brasileiro mesclado com o profissionalismo que exige o futebol atual.
Aquele senhor com quase 42 anos é, dentro de campo, um menino ainda bastante esforçado e a lembrança ativa do que já foi o futebol no Brasil. De uma época em que o então “País do Futebol” não passava por humilhações como o 7 x 1 dentro de nosso quintal.
Pelé disse certa vez que "um jogador precisa abandonar o futebol antes que o futebol o abandone". Porém, se um ídolo como esse acredita que vale a pena correr o risco de continuar, quem pode dizer o contrário?

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