sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

AMÉLIA E O "CLÁSSICO DO VALE"

E lá estavam eles, sentados no bar de sempre, falando sobre o de quase sempre.
O taubateano e o joseense, rivais de longa data ou, quem sabe, inimigos íntimos.
Sempre se encontravam antes de cada edição do chamado "Clássico do Vale", que não tinha mais o mesmo brilho de décadas atrás, mas que para eles jamais deixaria de ser um jogo diferente, atraente, que os remetia a um passado nostálgico.
No último domingo de fevereiro, sob um sol escaldante, o joseense percorreu os 37 Km entre São José dos Campos e Taubaté para acompanhar o clássico junto do amigo, afinal o jogo seria disputado no velho Joaquinzão, motivo de orgulho para o taubateano que logo o provocou:
" - Hoje o jogo é aqui no Joaquinzão. Vocês nunca tiveram esse 'gostinho' né, de jogar num estádio próprio..", ironizou, já que o estádio Martins Pereira pertence à Prefeitura de São José dos Campos.
" - Como se isso fizesse alguma diferença para vocês dentro de campo, né?", retrucou o joseense.
Apesar do forte calor, bebericavam uma garrafa de Amélia, cachaça tradicional. E relembravam a grande rivalidade:
" - Taubaté x São José vai além das quatro linhas. Me lembro da euforia desse jogo nas duas cidades há mais de 50 anos", comentou o taubateano.
" - O primeiro jogo já teve um placar histórico, 5 x 5. Depois disso vieram 66 partidas. Me lembro da polícia escoltando os torcedores para os jogos na via Dutra e até as rádios da capital falando sobre os confrontos", respondeu o joseense.
Mais duas doses de Amélia para cada um.
" - E os personagens? Cleto, Toninho Taino, Tata, Edinho, Nenê, Tião Marino.. Diede Lameiro, o ex-técnico do São José que é recordista em partidas entre os dois times".
" E o ex-técnico Rubens Peliciotti, pelo lado do Taubaté", completou o joseense mostrando que conhecia a história do clássico.
" - Mas o título da divisão intermediária de 1979 é eterno!", gargalhou o taubateano para desespero do joseense que tratou de encher novamente os dois copos.
" - Tudo bem, mas de novo com essa ladainha de 1979? Isso foi há 35 anos.. e depois disso?", indagou nervoso o joseense.
" - Mesmo assim, o tempo não apaga. Ganhamos do São José por 2 x 1 no Palestra Itália, em São Paulo, com direito a arbitragem do José de Assis Aragão, jogo histórico. E fomos campeões!", provocou mais o taubateano. E continuou:
" Quando voltamos para Taubaté, de ônibus, ao passar por São José tivemos que fazer silêncio, por dois motivos: primeiro para não sermos identificados e recebermos pedradas, segundo para não incomodarmos vocês, nossos 'queridos vizinhos', que deveriam estar com uma puta dor de cabeça!!!", gargalhou ainda mais alto o taubateano, que despertou atenção de todos no bar e enfureceu mais ainda o joseense, que dessa vez encheu somente seu copo de Amélia, cuja garrafa já estava quase no fim.

Enquanto discutiam, o jogo acontecia no Joaquinzão e eles nem prestavam tanta atenção. Afinal, o "Clássico do Vale" é construído por uma história regional com jogos marcantes, grandes personagens e cercado por uma rivalidade que extrapola os limites do futebol. E bom que seja assim, uma vez que atualmente ambos os clubes não escrevem um bom capítulo dessa história. O Taubaté amarga a terceira divisão há décadas e o São José foi rebaixado da segunda para a terceira divisão em 2014, com uma campanha medíocre, comparada a de time amador. Além disso, a partida pela Série A3 deste ano por pouco não aconteceu no Joaquinzão. Os jogadores do São José ameaçaram não entrar em campo devido ao atraso no pagamento de seus salários.
Mas a bola rolou. E o duelo foi morno, contrastando com a temperatura incandescente que assolava os pouco mais de 2.600 torcedores que mesmo assim foram prestigiar o "Clássico do Vale" que tanto já apimentou a rivalidade entre as duas cidades. Os dois times, bastante limitados tecnicamente, decepcionavam. Erravam passes, marcavam mal e apenas tentavam contra-ataques sem sucesso, com chutão para frente na base do "seja o que Deus quiser". Tratando-se de bichos, Águia e Burro novamente em campo, mas com futebol ao melhor estilo "bumba meu boi". Com dois gols "achados" no 1º tempo e sem pernas no final, as duas equipes se entregaram e o placar não saiu do 1 x 1.
No bar, a última dose de Amélia para os dois. E a provocação final do joseense que estava feliz pelo empate fora de casa:
" - Deixa eu ir embora, mas antes uma curiosidade: como foi disputar há poucos anos a várzea da quarta divisão, hein?", soltando ele, dessa vez, uma enorme risada.
O taubateano pulou em cima do rival e ambos saíram rolando pela calçada, embriagados, se estapeando, até serem contidos pela turma do "deixa disso".
E é esse o atual retrato do "Clássico do Vale". Que vive apenas da rivalidade do passado, das trocas de farpas dos mais antigos e apaixonados, das rusgas, porém não mais de futebol. Dois clubes que se apequenaram demais dentro de uma região tão rica geográfica e economicamente, que merecia ter pelo menos um time a representando na elite do futebol paulista.
Se a "Amélia" (que dá nome à cachaça) é que era mulher de verdade, como diz a música do poeta, o "Clássico do Vale" de tempos longínquos é que mostrava também um futebol de verdade.
Taubaté x São José hoje estão assim, presos ao passado, sem futuro, sem esperanças, a cada temporada perdendo mais a razão de ser. Como dois velhos bêbados brigando na porta de um bar.

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