sexta-feira, 18 de março de 2016

LA MAGIA DE LA MASÍA

*por Adriano Oliveira


Pablo Moreno tem 13 anos e, assim como milhões de garotos de sua idade em todo o planeta, carrega o sonho de ser um astro do futebol. Apesar de que, para milhões de garotos, já bastaria o sonho de ser Pablo Moreno. Não é para menos. Ele veste a camisa 9 do Barcelona há pouco mais de quatro anos e já é comparado ao brasileiro Romário, considerado um dos melhores atacantes da história do clube catalão e do futebol mundial. Rápido e bastante habilidoso, a mais nova promessa azul-grená já marcou 55 gols em 22 partidas somente na atual temporada.
Depois de um período sem revelar grandes talentos, Pablo é a mais nova cria de La Masía, o centro de excelência das categorias de base do Barcelona, onde tudo começa para o futebol na terra das percepções, a Catalunha, o "museu em festa a céu aberto" encrustado na região oeste da Espanha.
O sonho de tantos garotos como Pablo começa ali, nos fundos do suntuoso Camp Nou. O local, que na década de 50 foi utilizado como moradia de profissionais que trabalharam na construção do estádio, é a casa que acalenta a esperança de meninos europeus, latino-americanos e africanos, que sonham todas as noites em estar naquele campo ao lado, fazendo o gol da vitória do Barça e correndo para comemorar com quase 100 mil apaixonados torcedores nas arquibancadas.
La Masía é mais que um centro de treinamento das categorias de base. É o berço do chamado "barcelonismo", hoje conhecido no mundo inteiro como sinônimo de "futebol-espetáculo". É uma filosofia que vai muito além do "toca, corre, pega e chuta", como muita gente diz por aí.
O "barcelonismo" é um conceito de futebol que basicamente compreende cinco valores, seguidos à risca da base até o time profissional: inteligência, técnica, velocidade, atitude e caráter.
Pep Guardiola conhece cada detalhe desses princípios. Afinal, ele também saiu de lá. E foi, talvez, o maior responsável por devolver tal conceito ao clube após se desmanchar o time de seu antecessor Frank Rijkaard, de Ronaldinho Gaúcho, Deco e Samuel Eto'o que, embora genial, com o tempo e o glamour perdeu parte da identidade. O então novo treinador, que foi jogador de Johan Cruyff (um dos grandes gênios da história do futebol), estava disposto a reformular o jeito de jogar e arquitetou um time formado essencialmente por jogadores da base, dentre eles um certo argentino com pinta de craque. E cobrou de cada um deles uma mudança de postura relacionada ao resgate dos valores de La Masía, que pareciam desaparecer como as bebidas nos copos das intermináveis festas de Ronaldinho Gaúcho em Barcelona.
O reencontro com a filosofia do clube deu certo e o Barcelona de Pep Guardiola se consagrou logo depois como um dos maiores times de todos os tempos, se mantendo ainda hoje como o adversário dominante a ser batido no futebol internacional.
Em 2010, nada menos que três jogadores do Barcelona disputaram a Bola de Ouro da FIFA: Xavi Hernández, Andrés Iniesta e Lionel Messi, todos oriundos de La Masía. E se o tal argentino já era então o melhor dos melhores, os espanhóis Xavi e Iniesta brilhavam em sua seleção campeã continental e mundial em 2008 e 2010, respectivamente. Dois anos mais tarde, em 2012, o clube catalão chegou a colocar em campo simplesmente 11 jogadores de sua base, todos formados em La Masía.


Quando Andrés Iniesta foi substituído por Sergi Roberto aos 26 minutos do 2º tempo de Barcelona 3 x 1 Arsenal, o 2º jogo válido pelas oitavas-de-final da Champions League deste ano, e ovacionado pelo Camp Nou lotado, tem-se uma ideia bastante clara do que representa La Masía não só para os catalães, mas para o futebol. Iniesta simboliza todos os princípios de onde veio. É o meia cerebral que esbanja técnica e visão de jogo, cuja missão dentro de campo é fazer o time orbitar em torno dele sempre em função do gol, para frente, de forma ofensiva. Afinal, esse é o objetivo do futebol. Além disso, Andrés Iniesta é um jogador solidário e generoso, disposto a sempre servir seus companheiros, sem individualidades ou vaidades, como reza também a cartilha de La Masía.
Enquanto o Barcelona, desde o início da Era Guardiola, vem revelando craques como Messi, Xavi, Iniesta, Piqué, Fábregas, Puyol, Valdés, Pedro, Busquets e Thiago Alcântara, entre alguns outros menos expressivos ou que não explodiram como esses, seu arquirrival, o Real Madrid, normalmente tem de recorrer ao mercado para comprar seus principais jogadores e montar suas equipes. Tudo é uma questão da maneira como se enxerga o futebol dentro e fora das quatro linhas.
É claro que nenhuma filosofia de jogo faz do Barcelona um time imbatível. Mas faz de seu futebol um conceito que busca um jeito de jogar, digamos, sedutor e bonito de se ver. Uma espécie de marca registrada que dá a certeza do espetáculo. Quem joga hoje contra o Barcelona, em qualquer lugar ou estádio do mundo, sabe que enfrentará um time, no mínimo, diferente. E que mesmo perdendo ou ganhando, serão 90 minutos jogados de forma agonizante, correndo sem parar atrás da bola que estará incansavelmente de pé em pé, da defesa ao ataque até chegar ao gol. Talvez muitos gols.
Uma filosofia que começou bem lá atrás e que ainda mostra ao mundo que o trabalho na base sempre dará resultados. No caso, resultados belíssimos como o futebol de Pablo Moreno, 13 anos, a mais nova realidade dos sonhos de La Masía.



Adriano Oliveira tem este Blog desde 2009, mas a paixão pelo futebol nasceu bem antes disso. É um apaixonado que vibra pelas 11 posições, mas sempre assume uma, pois jamais fica em cima do muro. Aos 43 anos, o futebol ainda o faz sentir a mesma coisa que ele sentia aos 10.

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