quinta-feira, 28 de agosto de 2014

O ATLETA E O BOLEIRO


Para cair nas graças da torcida, um jogador precisa ser protagonista. Para o bem ou para o mal. Muitas vezes, para o bem e para o mal.
Mas, afinal, o que é mais fácil? Ser um bom moço, artilheiro, vencedor, profissional, que “sabe falar direitinho e tem todos os dentes na boca”? Ou ser um ídolo polêmico, o vencedor provocador, marrento e vilão?
Existem os atletas e existem os boleiros.
Ambos com o mesmo propósito dentro de campo, porém de estilos muito diferentes. Cada um ocupa um espaço e um sentimento reservado no coração dos torcedores. No fundo, o torcedor sabe distinguir a importância de cada um, adora os dois e não consegue imaginar o time sem eles.
O atleta treina diariamente, é moderado nas palavras, cumpre todas as ordens táticas.
O boleiro normalmente fala e faz o que quer, dentro e fora de campo. É irreverente, o porta-voz do elenco, debochado, divide sua própria torcida. Até resolver um jogo, fazer o gol da vitória num clássico, decidir um título e caçoar do rival nas matérias do noticiário.
O atleta se dedica bastante no treinamento de sexta. O boleiro prefere a balada de sexta. E ambos são ovacionados pela torcida no domingo.
Boleiros tem momentos de heróis e lampejos de estupidez. Fazem jogadas de craque, marcam gols importantes e, de repente, mordem o ombro do jogador adversário. Possuem legiões de fãs. E também de desafetos.
No entanto, os boleiros acabam se tornando ídolos e são tolerados até pelos próprios adversários "mordidos" de raiva. Porque o futebol precisa deles.
E se tivéssemos apenas Didas, Kakás, Caio Ribeiros e Bebetos?
Qual seria a graça do futebol sem os Edmundos e os Romários? Sem os Marcos e Maradonas? Sem os Ibrahimovics e Luis Fabianos?
O futebol não teria a dimensão que possui, nem despertaria essa paixão tão emblemática.
O ídolo erra e acerta, torna a errar e se regenera de novo. Um ciclo quase vicioso que leva torcida aos estádios, que gera audiência, que instiga a rivalidade, que conduz ao delírio.
O atleta faz gols em muitos jogos. Mas certamente gols e partidas inesquecíveis tiveram ele, o boleiro, como protagonista.
O atleta também vive de jogos e gols. Mas o boleiro vive de emoção, de declarações polêmicas, de farpas, de provocações, de dancinhas, de coreografias. Até de gols. No caso, aquele gol. O atleta faz gol quando o placar está 2 x 0. O boleiro faz o gol salvador e sai em disparada no sentido da torcida adversária, dedo em riste pedindo silêncio, batendo forte no escudo do peito, com sorriso de deboche.
O atleta faz parte do time. O boleiro geralmente é a referência do time.
O atleta é apaixonado. O boleiro é apaixonante.
O atleta dribla. O boleiro chama pra dançar.
O bom e velho boleiro faz a jogada inesperada, a pedalada, a letra, o arremate improvisado e certeiro, a plástica, o teatro, a firula, a arte, a molecagem.
O atleta transpira para o boleiro se inspirar.
Na hora do sufoco, jogo acirrado, os atletas tocam a bola para o boleiro. E lhe dizem:
– Está contigo, resolve essa parada aí...”
Há atletas que são craques indispensáveis, porém quase sempre previsíveis. Eu gosto e prefiro o futebol dos boleiros.
Porque futebol é isso, é pura rivalidade, é alegria, é alma, é o que vem de dentro para fora. É emoção. Se não puder mais ser assim, vira jogo de tênis e perde toda a graça.

" - Se eu tivesse levado uma vida regrada como atleta, eu teria feito muito mais gols (...) Mas tenho consciência de que tudo foi muito divertido."
(Romário, ao anunciar o fim de sua carreira como jogador em 2008).

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